Abriu os olhos, fez o sinal da cruz e levantou.
Levantou e pisou, com os pés brancos, o piso gelado.
Ele recebeu os pés, contente pelo seu peso uniforme e pela sua brancura. O piso recebeu a garota com a intimidade que só o piso, que a carregou por tantos anos, poderia lhe dar.
Ela caminhou até o banheiro e se mirou no espelho. O espelho amava a garota. Amava as mensagens de amor que ela deixava no vapor quente. Amava os olhos arregalados para passar maquiagem. Amava as perguntas que ela fazia e que ele nunca iria responder.
Caminhou até a cozinha e preparou um café. A pia recebeu as xícaras sujas, e amava tanto a garota que as lavaria para ela, se assim pudesse.
A garota abriu o guarda-roupas, tirou tudo de dentro e trancou a casa. A casa sabia que alguma coisa estava mudando. Não sabia se para melhor nem pior, mas mudando
A garota mudou de estado, pois agora tinha um namorado, com o qual queria conviver.
Entrou na casa dele, pisou os pés brancos no piso que nem os amou e nem os acolheu. Permaneceu frio e sólido.
Foi até o banheiro e se olhou em um espelho que não a amava.
Fez café em uma cozinha estranha e jogou as xícaras dentro de uma pia que moeria as xícaras e a sua mão, se assim pudesse.
Abriu um guarda-roupas "não-dela" que preferia cair ao lhe ceder espaço para as roupas. Se apaixonou por um homem "não-dela" e que depois de algum tempo disse que não a amava, e ela saiu da casa ( e do homem) que nunca lhe amou.
Voltou à sua que lhe recebeu mudada, não sabia se pra bem ou mal, mas mudada.
Fechou os olhos, fez o sinal da cruz e deitou.