quinta-feira, 7 de março de 2013

Céu azul

 "Fica comigo então, não me abandona não
Alguém te perguntou como é que foi seu dia?"

Segunda-Feira

Eu te vi chegar no apartamento e olhar a casa. Te vi entrar no quarto e se olhar no espelho.
Eu te vi pensar: "Puta merda, tô velho." mas não que você ligasse, pensou só por pensar.
Te vi ir à cozinha e procurar o que beber, pegar uma cerveja, sentar no sofá e pensar no seu tio, no seu pai. Passar a mão na barba e pensar, agora na sua prima, na sua ex, no seu filho. Tava enorme esse moleque.
Mas só pensou neles por pensar mesmo, só porque veio na cabeça. Era incrível como as coisas vinham na sua cabeça. Dava até pra compor uma música sobre isso, pensou.
Pensou nas suas músicas e sentiu calor, ligou o ar condicionado e pegou outra cerveja.
Sentou no chão e lembrou das pistas de skate, lembrou de um tombo que um cara deu nele. Por onde será que anda aquele mano?
Mesmo de férias da banda, pensou nos caras. Pensou nos caras que não estavam ali agora e chorou. Mas chorou pouco, chorou como quem chora, mas sabe que vai melhorar.

Terça-Feira

É terça-feira pra ele, porque viu amanhecer.
Eu o vi olhar pra parede e pensar: "Porra de ar-condicionado que não funciona" e levantar. Levantar e sentir falta de qualquer coisa.
"Porra de ar-condicionado". Bateu no aparelho. Arrancou-o da parede e jogou no chão. Chutou, e cortou o dedo do pé.
Ficou com raiva e esmurrou o aparelho, cortou o dedo da mão. Limpou nas paredes.
Percebeu que não era raiva do aparelho, era raiva da vida. Mas espera aí? Que vida? Vida era aquela de quando eu era moleque, pensou. E aí lembrou do pai de novo. E se perguntou se foi pai pro filho dele como o pai dele foi pai pra ele. E ficou com raiva dele, e se olhou no espelho. Quebrou o espelho porque não aguentava ver que o cara que tava rindo no LP não era o mesmo cara que tava na frente do espelho, agora, chorando. Sentou no chão do banheiro e chorou, chorou de verdade, aquele choro quente. E ficou olhando pro teto, pra um ponto fixo, na verdade, e por algum momento pensei que ele tinha me visto, mas não. Ele não viu.
Tinha gente ligando.
Levantou do chão e já era tarde. Quanto tempo passou ali, dentado?
Da janela da cozinha via as estrelas caindo nas pessoas lá fora. Foi até a cozinha e pegou outra cerveja, pegou os remédios, pegou energético.
Quis tomar tudo aquilo das mãos dele, mas eu não podia tocar em nada.
Olhou os CDs antigos que tinha em casa, e pensou: "Por que não posso ser feliz como eles?"
E chorou de novo.

Quarta-Feira

Acordou no chão da sala, olhou o apartamento e... ah, como queria ser outro.
Queria chorar, só que não saia. Era só um bolo, bolo enorme na garganta e a cerveja não queria empurrar.
Queria ir mais fundo agora, pegou tudo o que podia. Tomou uma dose, de qualquer coisa lá. Estava pouco. Tomou mais uma e chorou agora. Chorou e quebrou o resto que tinha em casa. Sabia que não aguentava mais, que agora tinha que se virar só. Era sozinho mesmo. Chorou mais, chorou porque já ouviu que não prestava, e não pôde responder. Lembrou de tantos outros bolos na garganta que já teve, só que agora, quando mais precisava, esqueceu como se dissolvia aquilo. Tomou outra dose.
Queria o conto de fadas que todo mundo tinha, queria o mundo das suas músicas, queria ter vida e só. Gritou e sentiu que não aguentava mais. Viu as lágrimas como uma eterna chuva de maldição dentro dele, e pra ele, que ninguém poderia curar nem remediar. 
Não aguentava mais, e de tanto não aguentar tomou uma dose maior. (mas gente, não pensa que eu não lembrei do meu moleque, dos meus amigos, da minha banda, é só que...)  Deitou de costas no chão da cozinha e sabia que Quinta-Feira não iria mais lembrar de nada.
Esse céu azul agora é todo seu, Chorão.