quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Anjo, Anja, Ângela.

Ela me olhava com olhos de Campari. Vermelho e distraído. Nunca dei muita importância aos olhos, sempre achei que poderíamos ainda assim fingir sentimentos. Mas, quando vi aquele olhar de canto, todo desconfiando, mais do que de um escorpião, mudei meus conceitos. Eu nunca tinha visto tanto mistério e cumplicidade, nem mesmo quando via o reflexo da minha própria pessoa no espelho. Ela era feita de música e poesia, daquelas bem quentes e eróticas, mas só sabia disso, quem mergulhava naquele fechado olho de rio preto. Não, preto não! Vermelho. Vermelho Campari. 






[Tributo à minha antiga amiga, Velha da Lua] 

domingo, 18 de novembro de 2012

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- Felicidade pra mim é algo bem mais simples, que a gente escreve com seis letras. 
 Abaixou a cabeça, pensou um pouco e então uma alegria do tamanho do mundo floresceu dentro dele: 
- Trepar? - perguntou-me em meio a uma gargalhada que inundou os meus ouvidos.
 - Não, Danilo, Não...


sexta-feira, 16 de novembro de 2012



Eu pergunto se
 você quer ir para
casa “Sim”
se está pensando
em grandes espaços vazios
“Sim” se tudo
vai passar
tudo vai
ficar bem
 “Sim sim”
 se realmente
 se apaixonou
se pensou em
 morrer “Sim”
 se eles cortaram
 os seus lindos
cabelos.”.

[Fragmento do poema "Monodrama" - Carlito Azevedo]

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

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"Volta pra casa,
Me traz na bagagem,
Tua viagem sou eu.

Novas paisagens,
Destino, passagem,
Tua tatuagem sou eu."

-Cher...
-Quando eu tiver um filho com o homem que eu virei a casar, contarei a ele sobre você. 
De como você sorriu pequeno quando me viu chegar no aeroporto. Não senti mais fome nem sede e nem sei quais foram as palavras que deram origem aquele riso mas eu queria repeti-las pra sempre. Se eu tirasse uma foto daquele sorriso e distribuísse pela cidade ninguém mais morreria de fome, nem de sede, nem de amor. Pois é só por isso que se morre. 
Vou lembrar, enquanto faço amor com o meu esposo, de quando você disse que que tinha fome de mim. Vou contar aos meus alunos, enquanto eles estudam um autor contemporâneo qualquer, que eu já amei um estranho. Mas agora eu vou voltar pra minha cidade, pro meu cachorro que eu perdi quando tinha oito anos. Ele ainda está na rua latindo por mim. Vou voltar pro meu natal, pro meu ano novo de roupas brancas enquanto você passa o seu de camisa preta. 
Sempre quis sair da minha cidade mas agora descobri que sou ela, que sou todas as avenidas e todos os viadutos propícios ao suicídio; que sou aquela senhora depresiva da rua de trás e aquela criança que nasceu hoje.  Vou voltar para a minha cidade, pro meu estúdio de tatuagem  que eu tenho sessão marcada. Estou com tantas saudades, vou tatuar uma palavra em arábe: دانيلو
e mais uma vez: - Adeus.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Carolina

"Lobo da estepe acredito na tua dor
Nesta vingança e o teu desejo de matar
Tua casa incendiaram
Tua esposa amaram
Este azar sobre você
Como uma nuvem que não chove"

Eu vejo e sinto seu último suspiro. Ele a amava e ela também sentia a mesma coisa. O problema estava nas proporções. Ele a amou desde o momento em que a viu pela primeira vez. Ele a viu e amou a cor do seu vestido. E aqueles cabelos escorridos prematuramente como uma eterna chuva de maldição sobre as suas costas.
Carolina o amava, e ele sabia. Carolina amava os seus olhos azuis e sua barba.
Ao amante, Carolina dava maiores espaços no peito. Amava mais ao amante e sofria. Quanto mais amor dedicava aquele que não o seu esposo mais secava. E por tanto nutrir este amor a outro adquiria um medo compacto. Carolina lá se ia, noite a dentro, vida a dentro, morte a dentro. 

"Carolina teu destino é chorar 
Lobo da estepe nunca mais ousou tocar em você
Os teus sonhos destruíram 

Tua jóia roubaram 
Este azar sobre você 
Como uma nuvem que não chove."

Todos sabiam sobre a vida de Carolina, todos sabiam sobre a dedicação dela por outro homem. Todos, menos o esposo. Ela não tinha culpa de não desejá-lo, de não poder inventar no esposo aquele que lhe dava gozo. Aquele com quem sempre saia com aspecto de flor pisada. Mas viva. O esposo chegava a noite e encostava a cabeça ao lado dela. Ela agora chorava duas vezes ao lado do peito do marido. Ele não sabia, não saberia nunca.  O esposo dormia. Quando estaria acordado aquele homem? Quando?
Todos sabiam sobre a morte de Carolina, todos sabiam. Todos. Isto de amor também é morrer. 

"Carolina você sabe que esse homem é lobo 
Esse lobo nunca mais vai uivar 
Carolina"

Carolina agora no chão com as mão no peito do amante. As pequenas mão de Carolina. Tão brancas e tão dela que o esposo teve medo de deixá-la cair, com o tiro que lhe deu, com medo que as mãos fossem quebradas. Eis o lado orgânico e animal do afeto. Carolina consentiu em morrer, como quem não pode voltar atrás e sabe disso. Nem dor sentia mais. 
Sei que a carne não guardava lembranças do pecado que cometera. 
O esposo chorava baixinho, o pranto cansado não cessava...Foi o único calor que se abateu no rosto do marido. (Eu posso dizer que era suficiente, em sua mágoa, para carbonizar a cidade inteira.) Ele sabia que ao matar aquela mulher se eliminava, quebrava-se suas pernas.
"Lobo da estepe acredito na tua dor
Lobo da estepe
Nunca mais ousou tocar em você
Carolina."

Ah, agora compreendia quanto a amava. Gostaria de abater-se naquela escura inconsciência em que a projetara e chorar sobre ela todo aquele amor que agora crescia. E o lobo também morria.
Carolina, tudo aqui é nosso, menos nós mesmos.

Trechos da música: Lobo da Estepe - Cascavellets

sexta-feira, 13 de julho de 2012

A sua parte que hoje sou eu.

Ai! Dá até vontade de morrer. Vê-lo assim, beijando o rostinho dela. O dela, não. O meu. Porque o rosto dela era meu mesmo sem ser.
Ah, ver os braços morenos de moleque sujando a pele alva dela. E as mãozinhas sendo espetadas pelo cabelo escuro dele.
Sento os olhos em cima dela para ter certeza de que mesmo não podendo afaga-la, ninguém também o fará.
Olhe para mim e lembre da languidez dos meus olhos sorrindo quando os seus  casam e desquitam dos meus.
Ai! Dá até vontade de morrer. Vê-lo assim, beijando o rostinho dela. O dela, não. O seu.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

No começo eu nem gostava dele, sabe? Eu ia levando, ia mentindo. Mentindo não, omitindo. Depois eu fui acreditando nas coisas que eu falava. Ah! como eu fui gostando dele. Parecia aqueles biscoitinhos de abóbora que davam no super mercado em época de São João, sabe? Então, eu nem gostava de abóbora. Comia só porque era grátis. E advinha o que eu passei a amar? Biscoito de abóbora. Aliás, tudo que eu comia de abóbora eu gostava. Comi tanto que cheguei a passar mal. Uma pena ter associado ele a abóbora. Hoje quando eu como abóbora fico tão mal que parece que é ela que me come. E me cospe.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Decifra-me ou devoro-te.

Por que André e não Felipe?
Por que não André Felipe?
Porque André não é Felipe.
Pois na verdade Felipe não é André, não é?
Porque André pode ser Felipe mas Felipe não pode ser André, pois é.
Por que André e não Felipe?
Por que não André, Felipe?

quinta-feira, 26 de abril de 2012

-Você me acha bonita?
-Sim.
-Sabe, a minha mãe era bonita.
(Silêncio)
-Não entendo o mal das mulheres bonitas.
-Não entendi.
-Ela se casou três vezes.
(Silêncio)
-Ninguém a tratou bem.
-Sinto muito.
-Todos, um por um. Todos a trataram como lixo.
(Silêncio)
-E ela começou a se achar um lixo.
-E começou a feder como lixo.
-Parou em um aterro sanitário.
...
-Mas era lixo orgânico. Não se reciclou.

domingo, 8 de abril de 2012

A(maria)

-Nasceu! -Exclamava o médico. 
-A sua filha nasceu!
O médico encostou um corpinho pálido no colo da mãe.
-Escute, escute o coraçãozinho dela.
E a mãe dobrou-se para escutar. Franziu a testa.
-Mas doutor, aqui nada bate.
-A sua filha está viva, senhora.-E realmente estava, só não chorava. -Se esforce mais.
-Doutor, a minha criança não tem batimentos, ela não...
Os enfermeiros a pegaram no colo, ela não batia de fato.
Levaram-na para a sala cirúrgica. Abriram o pequeno corpinho murcho. Ela tinha crânio e veias, artérias, o sangue circulava. Tinha estômago, pâncreas. Digeria. Mas o coração não estava no lá. O caso foi considerado como incrível. Teve alta. Cresceu. Normal. Digeria. Pensava. O sangue passeava em em larga escala dentro dela. Nada palpitava nem ardia.
Maria então encontra a Paixão. Não dentro dela, pois não tinha como conceber. Encontrou a Paixão, uma moça bonita. Maria ardeu. Até que um dia pegaram fogo. Ao acordar ao lado da Paixão ela sentiu pela primeira vez algo pulsar. Demais. Maria incendiou.
Quando foram sepulta-la, não encontraram nem crânio, nem pés, nem mão, só coração.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

-Está frio aqui.
-Este apartamento está horrivel.
-Eu sei, acho que é por causa do mofo.
- Eu posso dar um jeito nestas paredes mofadas. Parece que a água da chuva se infiltrou entre o gesso e a pintura.
-Está mesmo muito velho. Acho que preciso de um novo.
(Pausa)
-Então, quando pretende começar a reforma?
-Não muito tarde. Este apartamente está demasiado frio para a minha pele enrrugada.
-É o mofo. Realmente temos que dar um jeito nestas paredes mofadas do seu apartamento. Eu posso ajudar.
(Pausa)
-Quando pretende começar a reforma? Eu posso dar um jeito nestas paredes mofadas do teu coração.
-Está mesmo muito velho. Acho que preciso de um novo.
(Pausa)
-Está frio aqui.
-Quer que eu ligue a lareira?
-Não. Está frio aqui, dentro de mim.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Tereza


Tinha quatro anos quando lhe disseram que se tomasse veneno morreria. Com cinco anos perguntou o que era era veneno e o que era morrer. 
- Veneno, minha filha, é tudo o que faz mal. - Explicou a mãe paciente.
- E morrer, querida, é deixar de amar. 
E, assim ela cresceu: vendo gente se matar, se envenenar. 
Cresceu mais um pouco, não muito, mas o suficiente para amar. Experimentou venenos, foi traída e visitou o hospital do choro pela primeira vez. 
Até que descobriu que o que fazia mal era a tristeza e o que matava não era a falta de amor e sim o amor em demasia.
Fez de tudo para deixar de amar mas não conseguiu.   
A pobre Tereza, tomou amor e morreu. 
A mãe, em prantos, exclama: 
- Mas eu te avisei, Tereza, avisei que se tomar veneno, morre. 

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012