quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Pudera eu viver sem coração


Você sabe o que eu quero Ana - Caio sorriu e saiu correndo dela. - Volta aqui. 

Os dois cansaram da brincadeira se sentaram no chão e começaram a rir. A respiração ainda ofegante impedia que eles falassem muito. 
-Eu es-estou fican-ficando fraca de tanto correr, vamos tomar um café em uma lanchonete que eu conheço aqui perto. - Disse Ana recobrando o fôlego e ainda gaguejando. 
Os dois se levantaram e andaram em direção a lanchonete. 

Caio era um menino novo na cidade, Ana mal o conhecia e já sonhava com ele todas as noites. Fantasias, tesão encapuzado, não sabia se era sede, fome, calor, frio, era tesão, Ana. Mas ela não sabia só tinha quinze anos. Eles se encontraram umas duas vezes e o Caio veio falar com ela. Ana como qualquer menina de quinze anos: previsível e influenciavel. Caio como qualquer homem de trinta e cinco anos: experiente e imprevisível. 

Tomaram um café na lanchonete, conversaram bastante e no final do dia, com  o mundo cor de abóbora, o céu começa a jogar um pouco de sua raiva na terra. 
- A chuva vai ficar mais forte Ana quer ir até a minha casa? - Disse Caio tirando a blusa e jogando nos ombros de Ana. 
-Não sei se devo, é que eu... -Vamos logo, ou quer ficar ai na chuva? 
Os dois foram embora da lanchonete não fazia escuro ainda. Andaram, andaram, andaram, andaram e chegaram em uma casinha amarela com os portões brancos. - Essa é a sua casa? - disse Ana sorrindo. 
-Sim. - disse Caio abrindo a porta. 
-Onde estão os seus pais? - Caio demorou pra responder. (Eu não tenho pais, Ana. Não tenho ninguém, somos só você, eu e...) - Devem ter saído eu fui te ver e eles estavam em casa. -Senta, Ana, eu vou até a cozinha pegar um chá e depois umas roupas secas pra você não se resfriar. 

"Parece ate mentira, eu Ana, com um príncipe desses." -Ana? - disse Caio entrando na sala com roupas, uma toalha e chá. 
-Desculpa , eu só estava pensando alto. - Ana pegou as roupas (uma camiseta masculinas, dessas de botão e um chinelo. ) tirou as roupas molhadas ali mesmo, na sala, na frente dele e lhe entregou  as roupas molhadas enquanto vestia uma camisa que aparentava ser dele. Tomou o chá parceladamente enquanto viam desenho animado. 
Já fazia escuro e a Ana resolveu ficar por lá mesmo. 
-Onde estão os seus pais Caio? - disse Ana se jogando no sofá. 
-Não sei eles deveriam ter voltado. (Não tenho pais, Ana. Não tenho ninguém, somos só você, eu e a minha fome, tenho fome da sua pele, Ana.) -Caio pega a mão de Ana e vai guiando ela ate o quarto -Aqui, aqui é onde você vai passar a noite eu tô indo dormir no sofá. Boa noite Aninha. - Caio beija Ana deliberadamente e sai. 
-Não precisa dormir no sofá Caio, você pode vir dormir aqui...comigo. -Ana sorri astuciosamente e puxa Caio pra dentro do quarto. 

Eles não fazem nada a noite toda, não se falam, nem se tocam, eles(ela) achavam engraçado o modo como estavam deitados na cama. Ana por fim adormece e Caio levanta bem devagar da cama. 
Ele vai até a cozinha pega algumas facas e álcool. 
-Oi Ana. - Disse Caio entrando no quarto rindo. 
-Caio o que é isso na sua mão? -Ana grita apavorada - Caio eu quero ir pra casa. -Ela começa a gaguejar -Caio o que você vai fazer? Você disse que gostava de mim. 
-Você vai pra casa Ana, e eu não gosto de você, eu gosto dessa sua pele magra e gorda ao mesmo tempo. -Caio suspende as facas e abre  um caminho em Ana, se livrando de tudo o que era pano, de tudo o que era pele, de tudo que era humano. -Pronto Ana agora você vai pra casa. 

E sai Caio triunfante, em busca de outra Ana.

terça-feira, 31 de maio de 2011

A amargura de viver só

Uma soma de olhares resultou encanto. Afrodite, me traiu de novo. 
Vou segurar você, ou você irá correr, correu. 
Então retorne querido. Te cobrirei com o meu lençol branco. 

Essa noite eu vou implorar. Retorne. Chronos, me traiu de novo. 
Tome a minha respiração como se fosse sua. 
Alguns minutos de agonia para quem passou uma vida inteira agoniada. 

Abri os olhos, meu travesseiro estava seco. Você, me traiu de novo. 
A minha respiração não havia sido tomada. 
Então retorne querido. Me cubra com seu lençol branco

terça-feira, 3 de maio de 2011

O amor como deve ser.

Dois corpos, jogados, comprimidos, ligados em uma relação incestuosa. São irmãos, irmãos de sexo. Galopes em cima de coisas que já conhecem desde quando nasceram. Unidos. Em uma relação infrutífera. Não darão frutos. Nunca. Sementes. Seiva, tudo jogado em lençóis. Sementes mortas não geram vida, não tem vida, estão mortas. 
Levantem agora e continuem andando pelas ruas, vez ou outra se encontrem escondido, e cavalguem em cima das suas próprias sementes. Sementes que não contarão nada a ninguém, pois estão caladas. Pra sempre. Enojem um do outro, se desprezem vez ou outra. Joguem fora os lençóis, esqueçam o que passaram. 
Vocês esquecerão. Suas sementes não. Lençóis, ali vocês deixaram suas sombras, que um dia se levantarão enormes para censura-los ou então aplaudi-los, marcar uma nova etapa secreta. E os lençóis usados substituídos por novos, vão se acumulando dentro do guarda-roupa com registros, marcas autênticas daquilo que tinham feito com a coragem que só o amor poderia desencadear. 

Me maltratem, me torturem pedindo: "Oh! Não conte a ninguém!" Me implorem -se ajoelhem- Me perguntem como descobri. 
- Vou contar-lhes um segredo: Suas sementes gemeram pra mim. 

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Eutanásia

Desliguem os aparelhos, tirem os tubos. Podem levar. 
Precisamos de espaço para novos doentes. 
Não me olhem assim. Vou eu mesma dar a noticia a família. 
-Olá, vocês são os parentes da menina...é deixe-me ver o nome dela...Oh! Sim, lamento informa-los, ela morreu. 
Não segurem no meu jaleco. Implacável. Descartável. Temos seringas por toda parte. Tentamos conter o sangramento.  Pelos dentes. Acho que foi hemorragia. Interna. Não sobreviveria. 
A família quer saber o motivo, o motivo real, porque desligamos os aparelhos. Vou mentir. Omitir. Até o fim. Fim. Foi enterrada hoje. Demos fim a sua dor. Inicio a da família. Fiz o que pude. 

-Podem desligar os meus aparelhos. Tirem os tubos.- Dê inicio a minha dor. Fim a da minha família. 

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Lobisomem Loiro

-Você não percebe? Tire suas mãos de mim, esta me cortando. 
- Eu posso te dar umas ataduras e te costurar. 
-Não fale comigo, esta me aleijando.
-Eu posso comprar uma cadeira de rodas e te empurrar.
Não me olhe, você esta me assustando.
-Eu posso te dar uma venda, eu posso te ninar.
-Não, não encoste, não toque, você vai me matar. 
-Eu posso comprar um caixão, podemos deitar.
-Não, não me olhe, não se aproxime, eu vou gritar.
-Eu posso pegar uma água, quer se acalmar? 
-Não, porque não vais? Porque não me deixas descansar?  
-Sou o lobisomem loiro querida, estou aqui pra te levar. 

segunda-feira, 21 de março de 2011

Bebidas com amor, ou não.


-Garçom-Me aproximei do balcão. -Quero um copo com Whisky e Vodca.
- É pra já- Serviu. Entornei o liquido junto com as minhas mágoas. Cuspi tudo de volta no copo. Levei na boca de novo. Era sempre assim as mágoas não saiam de mim. Deixei algumas gostas escorrerem pela minha boca de novo ao copo. Entornei o resto. E eu não deixava que as mágoas saíssem daqui. Pausei. Cuspi. Tomei. No fim paguei. Me levantei. Paguei?  Voltei. Sentei. Chorei. Mordi a blusa. Pedi outro copo. Cuspi. Bebi. Outro. Cuspi em outro. Bebi outro. Mais outro. Outro?
Lágrimas iam embora. Caiam dentro do copo. As tomei de novo. Suor se misturou as lágrimas, que se misturaram a saliva. Cuspi. Entornei. Dor. Doce dor. Chorei ate dormir. Cuspi. Bebi.
Você chegou. Se esconde. Te encontro. Nos magoamos. Choramos. Suamos. Misturamos. Cuspimos. Bebemos um ao outro. Outro. Mais outro e outro. Por fim não sobrou mais nada. Chorou ate dormir. Dor. Doce dor. Agonizou. Se trancou. Cuspi. Te bebi. Nos exploramos. Agonizamos. Suspiramos. Ate gostamos. Por fim. Cuspi. Te bebi. Vomitei. Morri. 

terça-feira, 1 de março de 2011

A morte como fogo.

-Quais são os seus autores preferidos?
-Não tenho certeza se são os meus preferidos. 
-Você nunca tem certeza de nada.
-Pois tenho sim, tenho 3 certezas: sou humana, estou viva e não tenho um namorado -sorriu- E as suas? você as tem por acaso? 
-A morte é uma certeza sabia? 
-A não vou morrer agora, isso é sua vontade de se livrar de mim? -fez essa piadinha sem graça e sorriu sozinha. 
Na verdade ela estava errada sobre a morte, ou talvez sobre a vida, o seu tempo de vida.
A pouco tempo me contou com pesar sobre o um tumor que desenvolvera. 
-"Cortar os meus cabelos não vou." -Lembro-me que dizia isso enquanto arrancava aos montes de cabelo só em passar os dedos entre as madeixas escuras. -"Podem cair!" - Gritava com os fiapos inanimados caídos pelo chão do banheiro. -"Podem cair mesmo, mas eu nunca vou cortar vocês, podem cair, podem cair..."- Soluçou. Deixei que continuasse  com o seu teatro. 


Lembro bem dos seus olhos ja corroídos pela doença -"E você pensa que vou me encher dessa porcaria de remédios?..."-Continuava gritando-"...Você esta errado, prefiro queimar como fogos de artifício..."-Ana são só três gotas- falei aparentado uma rara calma.-"...Não vou, não vou, prefiro queimar ." Isso consumia-me o coração. 
-"Sabe"- começou ela, chorando -"Tem uma parte boa em estar doente, eu sinto cada palpitar do meu coração, cada som alterado, eu sinto como se ele passasse por cólicas menstruais todos os dias, ele vai me matar mais rápido que a minha doença. Oh! Meu Deus..." -Cala-te ja! E pare com esses teus lamentos insanos, começo a achar que estais ficando louca, acaso queres morrer seca em uma cama? 
Não obtive resposta. 
Nos jogamos os dois um no outro e nos molhamos com as mesmas lágrimas. 


A doença se alastrou mais rápido do que eu imaginava, ela recusava qualquer tipo de medicamento, não aceitava comida nem água a menos que fosse ela própria até à cozinha faze-lo. Com o tempo foi perdendo as forças e teve que aceitar a comida que lhe davam mesmo suspeitando que havia remédios ali. A doença mudara suas feições, os traços fortes que possuiu se transformaram aos poucos em uma ruga, quase sem cabelo, se é que podíamos chamar uma penugem rala e quebradiça de cabelo. A pesar disso não se encontrava feia, aliás devo admitir que essa foi a fase de sua vida em que se encontrou mais bonita do que qualquer outra em sua existência, nem os anjos, se encontravam mais belos que a minha menina nesse momento. 
Sentei ao seu lado como um bom amigo que era, eu acompanhei a sua definhação dia pós dia, ouvi os seus urros de dor e a suas queixas de que havia um bicho a lhe devorar os ossos. Não esperava que ela durasse tanto sem remédios. Não durou. 
Se arrastou a fim de se levantar em cima da cama e esfregou as mãos gélidas na minha nuca, a minha parte mais sensível. As minhas lágrimas escorriam pouco a pouco. Sussurrou algumas coisas no meu ouvido, ate hoje tento descobrir o que me dissera. Empalideceu. Ninguém sabe ao certo o momento exato em que morreu, as feições continuaram as mesmas com ou sem respiração. Agora eu só ouvia o som de ambulâncias no local, eu sabia que ela se fora mas senti uma paz que nem céu e inferno poderia perturbar, e com essa reflexão que ao ver como os parentes se lamentavam pela libertação da dor da sua querida que atentei como pode haver egoísmo até no amor. 
A tranqüilidade dela emanava sobre as brechas do caixão e uma paz silenciosa se apoderara do seu antigo corpo habitante. Com os olhos pregados no chão reparei o que sobrará daquela linda mulher e tudo o que sobrou cabia em uma caixa. 

Tem gente que só tem fogos no coração.
Fogos mais nada. 
Continuei acordando, sem você aqui outro dia, outro ano.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Jornal de ontem.

Tinha um longo cabelo desgrenhado, mesmo assim não deixava de ser um belo cabelo com lindas madeixas. Exagerava na maquiagem, e se aproximando um pouco mais podíamos ver uma coisa amadora, de quem não sabia como se maquiar mas mesmo assim insistiu tentando deixar a linha preta que lhe cobria a parte inferior dos olhos a mais reta possível. Não se equilibrava bem no pequeno salto que usava, pequeno em relação ao das outras mulheres ao redor. O vestido desenhava a suas gorduras em excesso na área do colo, ela vestia um "tomara-que-caia" andava meio desengonçada, mas não deixava de aparentar uma pouca idade.
Consegui sentir o seu hálito de cachaça, tinha olhos apáticos pouco atrativos.
Acompanhei aquela demente dama com os olhos durante toda a festa. Fim de noite. Todos pra cama.

De cabeça para baixo, um pouco suado depois de uma noite insuportável de calor, a minha cabeça latejava, as minhas costas me matavam e eu me encontrava quase caindo da cama. Seria bom se eu conseguisse bocejar sem sentir dores insuportaveis e quase torturantes a cada tentativa de abrir a boca. Toquei lentamente o queixo e senti a minha barba mal feita. Levantei caminhei até a cozinha. -O que temos aqui?- pensei, enquanto abria a porta da geladeira. Oba sorvete de creme. De novo. 
Comi um pouco daquela coisa fria, e fui lavar o rosto. Fiz a barba. Me refiz. 
Sai reparando nas pessoas como eu sempre fazia. Reparava em todos, ninguém reparavam em mim. Andava em direção ao parque com um livro na mão, não tinha nada sério os livros eram que eu podia ter, já que eu preferia ler até morrer ao me encontrar no meio daquela gente sem essência. 

Me sentei em baixo da minha árvore preferida. Me senti estranho em relação ao lugar que estava sempre vazio das outras vezes e agora tinha um movimento estranho de pessoas. Levantei-me e fui em direção as pessoas que as vezes gemiam ao levantar a cabeça e olhar o que estava estirado no chão. Pensei em voltar para o meu lugar, várias vezes indeciso, o caminho que eu percorria era bem pequeno porém ia se tornará longo e cheio de obstáculos devido a minha imprecisão. Pausei. Retornei a minha caminhada. Cheguei. Estremeci e quase vomitei. Reconheci rispidamente aqueles olhos apáticos, que agora já se encontrava sem vida. A a mesma maquiagem torta. A pele que antes era corada agora estava magra, seca e branca. 
Estava com sangue entre os dedos e uma poça se formava abaixo dela, não obtive mais informações sobre. Tateei ate conseguir sentar. Em algum lugar daquela grama do parque vi meu coração partido em dois pedaços. 

Jornal da Cidade.
Nota Fúnebre: Ontem nada, amanhã silêncio.  
Fim de vida. Todos pra cama. 

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Sequelas Internas. (3)

Acabei por me esquecer da horas, sorri enquanto abria os olhos lentamente passando uma das mãos na cama procurando pelos seus vestígios e com a outra escondia o rosto do sol que entrava pela janela.
Não lhe senti. 
Saltei da cama. A minha frente la estava ele olhando de uma forma singela para o sol. Em silencio ele levou o cigarro até a boca, cruzou os braços e soltou o fumo.
A minha presença já se demorara de mais para receber comentários. Levantei e parti tão solene quanto chegara. 

Fechei os portões da sua casa, agora reparara como era mal cuidada. Instantes depois ouvi passos bem enérgicos. Aproveitei para dar "bom dia" mas me calará dado que não recebi nenhuma resposta. 
Ele deu alguns passos a frente, afagou o meu cabelo embaraçado, pediu para me ver novamente com a sua voz rouca de sempre. 
Jardim Veneza era o nome, eu já havia ido la algumas vezes, era pouco frequentado e fechado.  Calculei os movimentos e vi que já poderia sair. 
Ele deve ter percebido a minha disposição, pois deu um leve sorriso. 

Já passavam das 21:00 estava pronta. Pedi ao Rick que me deixasse no jardim, ele não entrou em mais detalhes nem me pediu explicações. 
Entrei por entre a grama e me surpreendi com ele estudando o tronco de uma arvore cheio de imperfeições, de costas pra mim. Ainda não tinha chegado mais perto e ele me pediu pra parar. Se virou e se aproximou de mim, tão próximo que consegui sentir seu hálito gélido e alcoólico. 

A grama estava coberta por montículos e pedras e uma leve camada de gotas d'água. 
Me deitou por entre a grama curta que incomodada um pouco a minha pele nua. Ajuntou as minhas roupas em um montículo ao meu lado e elas já estavam meio molhadas pelo suor da grama. 
Mas uma vez foi descontado em mim toda a sua força. Tentei gemer, ele puxou do bolso uma gravata velha e azul, amarrou a minha boca. Pra mim não passava de mais uma fantasia. Me senti novamente com 11 anos com a boca cuspindo mofo. E continuou com a sua estupidez em cima de mim, agora tão brutal que me rasgava as vezes. Me provou ondas de saliva tão grandes que me afogaram dentro dele. Senti a gravata descer de nível até alcançar o meu pescoço. Agora ela começou a apertar, apertar mais e mais e...

-Clarisse? - Eu vou te deixar agora, dentro de mim. 
E permaneceu assim mal e rindo da morte. 
Morrer as vezes dói. 

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Sequelas Internas. (2)

- Dezoito anos sendo comemorados em um circo barato - resmunguei. 
- E você acha pouco? - Meu amigo riu dando leves tapas nas minhas costas enquanto entravamos. 

18 anos - pensei enquanto o espetáculo se passava - quanto tempo desde esse acidente, quanto tempo faz seis, sete anos? - Pausei os pensamentos para ouvir uma voz grave que anunciava a entrada do palhaço.
Entrou com todas as suas cores envolto ainda por uma sobra, fazia gestos enquanto um cachorrinho obedecia fielmente a cada significado do seu movimento. 
Ele se moveu bruscamente desenterrando seu rosto da luz. Agonizei. 

-Ana? - Rick me tocou as costas levemente - Você não disse nem um 'piu' durante o caminho inteiro o que houve? Não gostou? Desculpa é que... 
-Não é nada disso Rick - Interrompi. - Eu amei foi um ótimo presente - Ironizei. 
Ele riu - Ana- Tocou-me a face - Boa noite.

Na verdade péssima noite, não dormi, a imagem do palhaço me despertou outras lembranças enterradas a mais de 5 cinco anos. Mas não eram lembranças traumáticas, elas surgiram de forma diferente não de um maníaco mas de um homem ainda jovem e enérgico. Como eu lembrei dele depois de tantos anos? 
Apertei os olhos com os indicadores comecei a ver estrelas no lençol da cama. Adormeci. 
Já era tarde embora ainda fizesse escuro, juntei o resto das minhas economias. Fui ver o palhaço. 
As mesmas agonias até o final, eu queria saber o que era aquele aperto no estômago quando ele entrava, não era fome nem sede. Fui no camarim, fui vê-lo, disfarcei, disse que precisava falar com um amigo que estava por la. Entrei e la estava ele com o rosto enfiado dentro das toalhas, com a camiseta molhada de suor. Belos braços. 

-Ola- Ele não respondeu, me observou entrar e me aproximar lentamente. Sorri internamente. 
Conversamos sobre filmes, cachorros, musica, livros, já era quase madrugada e já estávamos na mesa de um bar bebendo juntos a algumas horas. - Sera que ele lembra de mim? - pensei. - Eu só tinha onze anos - porque estava pensando aquilo? 
De repente descobri que a fome e a sede não eram fome e sede de pão mas de pele. Aquela pele. 
As nossas se esbarraram sobre a mesa, estavam frias. 
-Ei - Ele sussurrou sem pronunciar meu nome - Podemos ir ate a minha casa - continuou - Já esta tarde e...
E fomos. 

Senti novamente o seu peso. era o seu eu sabia que era seu. Agora com mais intensidade sobre mim. Seus olhos sorriram. Suas mãos exploravam os meus lençóis de pele e sua saliva fazia cachoeiras dentro do meu corpo. Foi abrindo o seu caminho, abrindo e abrindo. E agora eram seus os gemidos e agonias, gemidos com sabor de álcool e agonias com cheiro de cigarros que só acabaram depois do gozo. 

-Clarisse? - me selou - Eu te juro, desta vez você não vai morrer no meu abraço. 
Só que agora eu já sabia...Morrer não doí. 

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Sequelas Internas.

Eu estava sentada na beira da lagoa, a agua era clara como um espelho. Eu olhava um peixe na agua. Me distrai com uma folha que se moveu com o vento e perdi o peixe de vista. 
Tirei o jeans coloque os pés n'água, estava fria. Não achei o peixe, retornei para a beira da lagoa e deitei de bruços na areia macia e úmida. Comecei a afagar a agua com suas madeixas imaginarias de um cabelo longo e macio, enquanto sentia a minha barriga afundando de uma forma lenta na areia fofa. 
Retomei o olhar firme na agua e por um segundo vi uma imagem na agua. Era um rosto. Homem bonito, não muito alto, aparentava ser jovem. A sua imagem estava tão perfeita que por instantes pensei ser um homem feito de agua. Fechei os olhos e apertei com os polegares. Imaginação? 

-Clarisse? - Ele se aproximou e segurou meu braço com força, enquanto uma vez ou outra desviava o olhar para as minhas pernas nuas, magras e sujas com areia preta. 
- Que Clarrise? - Resmunguei com uma tentativa inútil de me soltar. 
-Menina bonita feito você só pode se chamar Clarisse - Passou uma gravata azul ao redor da minha boca. Gosto de Mofo. 
Me arrastou caminho a cima. Eu me travava, ele me arrancava do chão. Eu chorava, ele encostava o rosto bem próximo ao meu e pedia silencio, um silencio com cheiro de álcool e cigarros. 

Eu só tinha 10 anos e a minha mãe me explicou sobre pessoas que matam as outras. Agora já com onze anos pensei: "Será que vai me matar?" Mas ela nunca havia me explicado sobre outros crimes, que matam também, mais matam a dignidade humana. 

Chegamos ao alto de um pequeno morro, ele me deitou no chão. Ali no alto daquele morro desnudo e desolado a terra era dura e coberta de negra geada e ar frio, tão frio que me fez tremer até os ossos. 
Deitou por cima de mim e se livrou de tudo que era pano. Me tranquei dentro de mim e pensei: "Devo me fingir de morta?" Joguei a perna pra cá, braço pra lá e mal respirava. Ele continuou com o seu movimento repetitivo e egoísta. Continuou abrindo caminho dentro de mim. E eu, não podia mais nada fazer, sem peso em mim era grande de mais. Gemi. Ele emporcalhou toda a minha morada antes de sair. 

-Clarisse? - Foi a ultima coisa que eu ouvi. 
De tanto me fingir de morta, eu morri. 

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Meias verdades também são mentiras

-Levanta, amor - Ele disse com uma sinceridade tão grande que chegou a me comover. 
Ele era um louco propriamente dito, desde quando eu o encontrei passei a viver como uma louca também, a nossa casa era uma bagunça, jornais por todos os lados, um piano sujo com o qual nos nos divertíamos todas as noites e xícaras, xícaras sujas de café por toda parte. 

Ele não pensava no futuro, e sempre quando nos perguntavam "Vocês pretendem se casar?" eu não sabia o que responder, era o tipo de pergunta que me pegava, simplesmente não sabia o que dizer, não tínhamos pensado nisso antes e ele tinha uma personalidade tão múltipla que as vezes me assustava, como jurar que ele iria me amar pra sempre? 
Isso me assombrava um pouco, isso, esse fato de não ter controle sobre os sentimentos alheios, é por que quando nos encontramos sem pai nem mãe, órfã de família e amigos é assim que nos sentimos: abandonadas. 
-Bom dia meu bem - eu respondi com franqueza porém incapaz de esconder as minhas duvidas. 
Abraçou-me, entrelaçou os braços ao meu redor e isso me diminuiu, eu o abracei como se o quisesse comigo mais do que tudo na vida. Logo era como se fosse a primeira vez que nos visemos. Ele sabia despertar isso em mim, isso de me sentir única, com vários em um só. 

Saímos de casa, era tarde embora ainda fizesse escuro, o céu estava levantando e nós, caminhando lentamente pela rua, olhando vários outros casais abraçados, quando uma bala que furou as minhas costas atravessou o seu peito, seu coração que aos poucos foi parando, aquela imensidão de olhos se fechando. Agora eu estava abandonada. 
Mesmo depois de dias ainda conseguia sentir aquela barba mal feita me coçando as vezes, seu cheiro e a paz, a paz que ele emanava era pra poucos. 
Ele tinha algo especial. E Deus – ou morte, ou qualquer outra coisa que você queira chamar – o levou do mundo.  

-Levanta, amor - Disse com uma sinceridade tão grande que chegou a me comover. 

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

A vida então não significa nada, pois a um triz do fim todas as coisas deixam de existir, ou se tornam um peso, um peso insuportável, que verga ate mesmo o mais fortes dos corpos. 
Olhar a cidade a noite, com todas as suas luzes ou as poucas ainda que restam acessas faz qualquer homem voltar a ser criança e sentir medo. 

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

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Te sentir, vem pra mim
Quero matar a minha sede e beber da tua seiva, eu vou
se você for me alimentar do teu poder e me abrigar em teu peito  ainda sou, o teu amor. Não te contei mas toda noite os meus sonhos só pedem você, vem aqui pra alegrar o meu sorriso e ser a cura nos momentos de dor. Quero matar a minha sede de amor.

Paula Fernandes.