segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Tu


      
                                                            "Olha para mim: tu sabes que eu
                                           Não sou teu discipulo, não sou teu amigo, não sou teu cantor,
                                                                Tu sabes que eu sou Tu.."
                                                                                                Fernando Pessoa

Deus! Tu eras tudo o que eu via, tudo o que eu ouvia, tudo o que eu sentia.
O sujeito, o objeto, o passivo, o ativo.
Tremo, pois observo em todas as coisas, uma parte tua. Tu em todas as coisas.
Tu ave, peixe, homem, mulher.
Tu liberdade, desespero, partida, ida.
Tu liberto, desesperado, partido, ido.
Tu destinatário, remetente.
Tu carimbo em todas as cartas, nome em todos os endereços, mercadoria entregue, devolvida.
Tu comboio de sensações a quilometros por hora, minuto, segundo.
Tu hora
Tu minuto
Tu segundo
Tu segunda-feira
Tu saudades, tu saudoso, tu saúde (tim-tim) e brinde de ano novo.
Tu engenheiro do meu prédio, tu canção do Roberto Carlos.
Tu estranho com quem me bati na rua.
Tu rua, avenida, viaduto. Tu o Paraná inteiro.
Tu olhos vermelhos, tu lágrima caída.
Tu chuva na janela, tu tatuagem na costela.
Este e aquele
Aqui e ali
Em toda parte, Tu.

(E eu morri, temporariamente, de sentir-te.)

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Assinado eu


 Danilo, aliás Danilo, não. Dani. Coloquei um piercing novo hoje. Ainda dói e eu queria contar pra você, sei que você gosta de percing no septo. O que eu tinha no freio, tirei e não consegui mais colocar no lugar.
O preço do café anda um absurdo, não sei se está assim em todo lugar ou nos que eu freqüento. Mas não faz muita diferença, você não anda por lá.
 Minhas notas da escola andam meio ruins, principalmente em matemática, não sei como você consegue estudar isso na faculdade, todos os dias. Mas não era sobre isso que eu queria falar, eu nem sei sobre o que eu quero realmente falar, é que eu escrevi isso aqui pra dizer que sinto a sua falta e não acredito que “você” tenha acontecido comigo. Você não poderia ter acontecido comigo. Mil vezes ter seis anos sem experiência nenhuma do que seis anos de lembranças e ausências suas (e quem sabe quantos outros tantos anos mais), mas disso você não precisa saber, sei lá, acho que você não precisa saber de nada disso.
 Desculpa pelo texto mal elaborado e pelas lágrimas. Tenho passado por uma crise literária, não consigo “escrever bonito”.
 Eu lembro da mensagem de fim de ano, as felicitações e o seu sumiço depois disso. Ainda tenho a sensação de que nunca vou conseguir escrever sobre você e isso me incomoda, já que também não posso falar com você. Incomoda-me, também, o fato de não saber como você está agora, neste exato momento em que eu escrevo.
 Fico imaginando se em algum lugar você ainda escuta Ramones e lembra de mim, se lembra quando come arroz que eu ODEIO ARROZ! Se um dia assistindo ao show do fim de ano do Roberto Carlos, você pensará em mim, e me imaginará sentada na sala com o meu pai, chorando, ambos. Se quando você lê Machado de Assis lembra de mim. Lembra-se que eu amo mais coxinha do que a minha vida. Se quando você come no Mc Donald’s lembra que eu odeio Mc e prefiro Bob’s. Se me imagina trabalhando quando passa por algum escritório de contabilidade, ou se essas coisas nem passam pela sua cabeça. Se você agora chama outra pessoa de “minha pequena”, ou se esse apelido era só meu.
 Eu fiz vários textos sobre o seu “caso”. Nenhum ficou bom o suficiente. Fiquei com vergonha de te mostrar.
Não esqueci de você, talvez dois ou três dias, mas toda vez que escuto Kings of Leon lembro de novo.
 Passei a gostar das suas bandas de indie, e quando fui a cidade fiquei olhando atentamente para todos os homens entre vinte e vinte e um anos, pensando que aquele sentado ali poderia ser você.
 Queria te pedir desculpas pelas sms em branco, enchia o saco, né? Elas pararam de serem enviadas, era um problema com o aparelho, mas eu já troquei.
 Gostaria de saber se você já foi ao médico conferir a sua pressão que anda baixa, e se você já está melhor, se já parou de brigar com o seu pai e como anda a sua mãe.
 Tô cada vez melhor no piano e consegui tirar no violão aquela música do Yodelice.
 Tem várias citações do Fernando Pessoa que eu queria te mandar.
Sinto falta de cantar pra você por sms. Saudades de te ajudar a estudar para as suas provas de literatura, e ler a suas mensagens agradecendo pela ajuda, que você tava melhor.
 Eu não te contei, mas ficava nervosa toda vez que você ficava nervoso com uma prova, e chorei quando o seu cachorro, Dragon, morreu.
 Comprei um porquinho-da-índia e o nome dele também é Goku.
 Ei, seu aniversário ta chegando, né? É no mesmo mês que a minha viagem de turma. Eu queria te desejar feliz aniversário, mas você não saberia de quem é a mensagem, você sempre apaga meu número.
 Não ficarei em recuperação de química este ano.

Essas são só algumas coisas que você não sabe, acho que é só.

Ps: Eu amo você. (mas disso você já sabe)

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Nota trágica

Tenho detestado tudo o que venho escrevendo. 
Antes de escrever já o odeio. 
Penso e acho ruim, logo o odeio. 
Pois odeio má literatura.
Escrevo e leio o seu nome. 
Odeio ainda mais.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Saliva



Eu vou ficar com ele... Eu vou ficar com ele...
Meu Deus, eu vou ficar com ele!
Calma, é só um beijo, o primeiro, mas tudo bem. Tem que acontecer alguma hora né?
Aproximei-me devagar, fechei os olhos, aquele cheiro de água...
Certo, abri a boca.
Ai Jesus, ele colocou a língua na minha boca.
A língua dele está na minha boca! 

Os movimentos eram uma espécie de máquina de lavar. Eu vi a máquina de lavar da mamãe.
Apertei os olhos. Acabou.
Não gostei.
Vou para casa tirar, com o sabonete, as mãos dele do meu pescoço, e separar, com a escova de dentes, a saliva dele da minha.


segunda-feira, 1 de abril de 2013

O invisível nos salta aos olhos


Evening on Karl Johan - E. Munch
 -Nossa, há quanto tempo, rapaz!
 -Desculpa, quem é mesmo você?
-(Meu nome é Vicente. Vicente Guedes, o mais novo de três irmãos, venho do interior e era solteiro. Eu tenho quarenta anos, bem vividos, e uma fala arrastada. Tenho os olhos esbugalhados e assustadoramente grandes, vale dizer que quando fico nervoso meus olhos "crescem" ainda mais. Eu era casado, porém atualmente estou solteiro e morando na casa da minha mãe, o que vem se tornando um problema, pois me tornei  muito afetado depois do divórcio e não pude chorar, não posso chorar no trabalho, não posso chorar no táxi, não posso chorar na padaria, não frequento bares para chorar com o garçom, o tempo que poderia ter para chorar em casa é arrebatado pela mãe. Tenho um profundo ressentimento por minha ex-esposa, não que ela tivesse me deixado mais depressivo, não, eu sei que sempre fui um sujeito triste, mas ela tinha sido, por longos dez anos, o meu elixir. Agora que me se encontrava sozinho dela, me encontrava novamente acompanhado por um profundo inferno todos os dias da semana.
Possuo, agora, um bem maior, que é o de não possuir bem algum. 
Como já se percebeu, tenho alguns traumas, mas não conto a ninguém, suporto essa vida nula com uma indiferença de mestre, porém a constituição do meu espirito me condena a ânsias que por causa da minha mãe suporto-as todas. 
Abro as janelas e... ah como gostaria de ser rocha ou mato, nada saber, nada pensar, nada sentir. De morrer, de esfrangar-me e ninguém saber, de queimar e não deixar ninguém ver.
Poderia dar outros vários lamentos de mim, poderia fazer um poema mais bonito do que outro e colocar aqui, mas não acho necessário.  
Eu queria na verdade falar sobre a vontade que tenho de chorar a noite, mas também acho que você não deve saber. 
Dizem que esses traumas me tornam uma pessoas mais interessante, que aguça a minha facilidade de escrita, pois acho que eu deveria continuar ignorante e percebendo as pessoas como elas são superficialmente, não me aprofundar em nada. Sabe aqueles tipos que não se preocupam com nada, que não sentem dor? Pois é, gostaria de ser assim, burro e alegre. Ignorante, porém feliz. Melhor frase do texto.
E que discurso comprido, eu mesmo não sou tão grande assim.                                                                     Na verdade, sou o menor discurso do mundo:
Vicente.)
-Vicente, que estudou com você no terceiro ano... ensino médio...lembra?


quinta-feira, 7 de março de 2013

Céu azul

 "Fica comigo então, não me abandona não
Alguém te perguntou como é que foi seu dia?"

Segunda-Feira

Eu te vi chegar no apartamento e olhar a casa. Te vi entrar no quarto e se olhar no espelho.
Eu te vi pensar: "Puta merda, tô velho." mas não que você ligasse, pensou só por pensar.
Te vi ir à cozinha e procurar o que beber, pegar uma cerveja, sentar no sofá e pensar no seu tio, no seu pai. Passar a mão na barba e pensar, agora na sua prima, na sua ex, no seu filho. Tava enorme esse moleque.
Mas só pensou neles por pensar mesmo, só porque veio na cabeça. Era incrível como as coisas vinham na sua cabeça. Dava até pra compor uma música sobre isso, pensou.
Pensou nas suas músicas e sentiu calor, ligou o ar condicionado e pegou outra cerveja.
Sentou no chão e lembrou das pistas de skate, lembrou de um tombo que um cara deu nele. Por onde será que anda aquele mano?
Mesmo de férias da banda, pensou nos caras. Pensou nos caras que não estavam ali agora e chorou. Mas chorou pouco, chorou como quem chora, mas sabe que vai melhorar.

Terça-Feira

É terça-feira pra ele, porque viu amanhecer.
Eu o vi olhar pra parede e pensar: "Porra de ar-condicionado que não funciona" e levantar. Levantar e sentir falta de qualquer coisa.
"Porra de ar-condicionado". Bateu no aparelho. Arrancou-o da parede e jogou no chão. Chutou, e cortou o dedo do pé.
Ficou com raiva e esmurrou o aparelho, cortou o dedo da mão. Limpou nas paredes.
Percebeu que não era raiva do aparelho, era raiva da vida. Mas espera aí? Que vida? Vida era aquela de quando eu era moleque, pensou. E aí lembrou do pai de novo. E se perguntou se foi pai pro filho dele como o pai dele foi pai pra ele. E ficou com raiva dele, e se olhou no espelho. Quebrou o espelho porque não aguentava ver que o cara que tava rindo no LP não era o mesmo cara que tava na frente do espelho, agora, chorando. Sentou no chão do banheiro e chorou, chorou de verdade, aquele choro quente. E ficou olhando pro teto, pra um ponto fixo, na verdade, e por algum momento pensei que ele tinha me visto, mas não. Ele não viu.
Tinha gente ligando.
Levantou do chão e já era tarde. Quanto tempo passou ali, dentado?
Da janela da cozinha via as estrelas caindo nas pessoas lá fora. Foi até a cozinha e pegou outra cerveja, pegou os remédios, pegou energético.
Quis tomar tudo aquilo das mãos dele, mas eu não podia tocar em nada.
Olhou os CDs antigos que tinha em casa, e pensou: "Por que não posso ser feliz como eles?"
E chorou de novo.

Quarta-Feira

Acordou no chão da sala, olhou o apartamento e... ah, como queria ser outro.
Queria chorar, só que não saia. Era só um bolo, bolo enorme na garganta e a cerveja não queria empurrar.
Queria ir mais fundo agora, pegou tudo o que podia. Tomou uma dose, de qualquer coisa lá. Estava pouco. Tomou mais uma e chorou agora. Chorou e quebrou o resto que tinha em casa. Sabia que não aguentava mais, que agora tinha que se virar só. Era sozinho mesmo. Chorou mais, chorou porque já ouviu que não prestava, e não pôde responder. Lembrou de tantos outros bolos na garganta que já teve, só que agora, quando mais precisava, esqueceu como se dissolvia aquilo. Tomou outra dose.
Queria o conto de fadas que todo mundo tinha, queria o mundo das suas músicas, queria ter vida e só. Gritou e sentiu que não aguentava mais. Viu as lágrimas como uma eterna chuva de maldição dentro dele, e pra ele, que ninguém poderia curar nem remediar. 
Não aguentava mais, e de tanto não aguentar tomou uma dose maior. (mas gente, não pensa que eu não lembrei do meu moleque, dos meus amigos, da minha banda, é só que...)  Deitou de costas no chão da cozinha e sabia que Quinta-Feira não iria mais lembrar de nada.
Esse céu azul agora é todo seu, Chorão. 

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Sinto amores e ódios por você.




-Eu vou te abandonar, Sara. Eu vou deixar esta conta falsa, vou viver de verdade, vou ter uma namorada de verdade. Vou te deixar, Sara. 


Então ela veio, veio correndo na minha direção com seus olhos grandes, grandes e marejados. Abraçou-me. Empurrei sua cabeça contra meu peito e então a envolvi com meus braços. Entre soluços cada vez mais fortes, ia derramando toda a tristeza através dos seus olhos tão tímidos enquanto eu ia sendo retirado do meu próprio casulo, onde nada me tocava, e começava a adentrar definitivamente no mundo real e a sentir a humanidade me doer nas veias. 

Ela foi homem, mais homem do que eu.
 

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

É bonita, mas não tem nome.

Abriu os olhos, fez o sinal da cruz e levantou. 
Levantou e pisou, com os pés brancos, o piso gelado. 
Ele recebeu os pés, contente pelo seu peso uniforme e pela sua brancura. O piso recebeu a garota com a intimidade que só o piso, que a carregou por tantos anos, poderia lhe dar. 
Ela caminhou até o banheiro e se mirou no espelho. O espelho amava a garota. Amava as mensagens de amor que ela deixava no vapor quente. Amava os olhos arregalados para passar maquiagem. Amava as perguntas que ela fazia e que ele nunca iria responder. 
Caminhou até a cozinha e preparou um café. A pia recebeu as xícaras sujas, e amava tanto a garota que as lavaria para ela, se assim pudesse. 
A garota abriu o guarda-roupas, tirou tudo de dentro e trancou a casa. A casa sabia que alguma coisa estava mudando. Não sabia se para melhor nem pior, mas mudando 
A garota mudou de estado, pois agora tinha um namorado, com o qual queria conviver. 
Entrou na casa dele, pisou os pés brancos no piso que nem os amou e nem os acolheu. Permaneceu frio e sólido.
 Foi até o banheiro e se olhou em um espelho que não a amava. 
Fez  café em uma cozinha estranha e jogou as xícaras dentro de uma pia que moeria as xícaras e a sua mão, se assim pudesse. 
Abriu um guarda-roupas "não-dela" que preferia cair ao lhe ceder espaço para as roupas. Se apaixonou por um homem "não-dela" e que depois de algum tempo disse que não a amava, e ela saiu da casa ( e do homem) que nunca lhe amou. 
Voltou à sua que lhe recebeu mudada, não sabia se pra bem ou mal, mas mudada. 
Fechou os olhos, fez o sinal da cruz e deitou.