segunda-feira, 21 de março de 2011

Bebidas com amor, ou não.


-Garçom-Me aproximei do balcão. -Quero um copo com Whisky e Vodca.
- É pra já- Serviu. Entornei o liquido junto com as minhas mágoas. Cuspi tudo de volta no copo. Levei na boca de novo. Era sempre assim as mágoas não saiam de mim. Deixei algumas gostas escorrerem pela minha boca de novo ao copo. Entornei o resto. E eu não deixava que as mágoas saíssem daqui. Pausei. Cuspi. Tomei. No fim paguei. Me levantei. Paguei?  Voltei. Sentei. Chorei. Mordi a blusa. Pedi outro copo. Cuspi. Bebi. Outro. Cuspi em outro. Bebi outro. Mais outro. Outro?
Lágrimas iam embora. Caiam dentro do copo. As tomei de novo. Suor se misturou as lágrimas, que se misturaram a saliva. Cuspi. Entornei. Dor. Doce dor. Chorei ate dormir. Cuspi. Bebi.
Você chegou. Se esconde. Te encontro. Nos magoamos. Choramos. Suamos. Misturamos. Cuspimos. Bebemos um ao outro. Outro. Mais outro e outro. Por fim não sobrou mais nada. Chorou ate dormir. Dor. Doce dor. Agonizou. Se trancou. Cuspi. Te bebi. Nos exploramos. Agonizamos. Suspiramos. Ate gostamos. Por fim. Cuspi. Te bebi. Vomitei. Morri. 

terça-feira, 1 de março de 2011

A morte como fogo.

-Quais são os seus autores preferidos?
-Não tenho certeza se são os meus preferidos. 
-Você nunca tem certeza de nada.
-Pois tenho sim, tenho 3 certezas: sou humana, estou viva e não tenho um namorado -sorriu- E as suas? você as tem por acaso? 
-A morte é uma certeza sabia? 
-A não vou morrer agora, isso é sua vontade de se livrar de mim? -fez essa piadinha sem graça e sorriu sozinha. 
Na verdade ela estava errada sobre a morte, ou talvez sobre a vida, o seu tempo de vida.
A pouco tempo me contou com pesar sobre o um tumor que desenvolvera. 
-"Cortar os meus cabelos não vou." -Lembro-me que dizia isso enquanto arrancava aos montes de cabelo só em passar os dedos entre as madeixas escuras. -"Podem cair!" - Gritava com os fiapos inanimados caídos pelo chão do banheiro. -"Podem cair mesmo, mas eu nunca vou cortar vocês, podem cair, podem cair..."- Soluçou. Deixei que continuasse  com o seu teatro. 


Lembro bem dos seus olhos ja corroídos pela doença -"E você pensa que vou me encher dessa porcaria de remédios?..."-Continuava gritando-"...Você esta errado, prefiro queimar como fogos de artifício..."-Ana são só três gotas- falei aparentado uma rara calma.-"...Não vou, não vou, prefiro queimar ." Isso consumia-me o coração. 
-"Sabe"- começou ela, chorando -"Tem uma parte boa em estar doente, eu sinto cada palpitar do meu coração, cada som alterado, eu sinto como se ele passasse por cólicas menstruais todos os dias, ele vai me matar mais rápido que a minha doença. Oh! Meu Deus..." -Cala-te ja! E pare com esses teus lamentos insanos, começo a achar que estais ficando louca, acaso queres morrer seca em uma cama? 
Não obtive resposta. 
Nos jogamos os dois um no outro e nos molhamos com as mesmas lágrimas. 


A doença se alastrou mais rápido do que eu imaginava, ela recusava qualquer tipo de medicamento, não aceitava comida nem água a menos que fosse ela própria até à cozinha faze-lo. Com o tempo foi perdendo as forças e teve que aceitar a comida que lhe davam mesmo suspeitando que havia remédios ali. A doença mudara suas feições, os traços fortes que possuiu se transformaram aos poucos em uma ruga, quase sem cabelo, se é que podíamos chamar uma penugem rala e quebradiça de cabelo. A pesar disso não se encontrava feia, aliás devo admitir que essa foi a fase de sua vida em que se encontrou mais bonita do que qualquer outra em sua existência, nem os anjos, se encontravam mais belos que a minha menina nesse momento. 
Sentei ao seu lado como um bom amigo que era, eu acompanhei a sua definhação dia pós dia, ouvi os seus urros de dor e a suas queixas de que havia um bicho a lhe devorar os ossos. Não esperava que ela durasse tanto sem remédios. Não durou. 
Se arrastou a fim de se levantar em cima da cama e esfregou as mãos gélidas na minha nuca, a minha parte mais sensível. As minhas lágrimas escorriam pouco a pouco. Sussurrou algumas coisas no meu ouvido, ate hoje tento descobrir o que me dissera. Empalideceu. Ninguém sabe ao certo o momento exato em que morreu, as feições continuaram as mesmas com ou sem respiração. Agora eu só ouvia o som de ambulâncias no local, eu sabia que ela se fora mas senti uma paz que nem céu e inferno poderia perturbar, e com essa reflexão que ao ver como os parentes se lamentavam pela libertação da dor da sua querida que atentei como pode haver egoísmo até no amor. 
A tranqüilidade dela emanava sobre as brechas do caixão e uma paz silenciosa se apoderara do seu antigo corpo habitante. Com os olhos pregados no chão reparei o que sobrará daquela linda mulher e tudo o que sobrou cabia em uma caixa. 

Tem gente que só tem fogos no coração.
Fogos mais nada. 
Continuei acordando, sem você aqui outro dia, outro ano.