terça-feira, 4 de setembro de 2012

Carolina

"Lobo da estepe acredito na tua dor
Nesta vingança e o teu desejo de matar
Tua casa incendiaram
Tua esposa amaram
Este azar sobre você
Como uma nuvem que não chove"

Eu vejo e sinto seu último suspiro. Ele a amava e ela também sentia a mesma coisa. O problema estava nas proporções. Ele a amou desde o momento em que a viu pela primeira vez. Ele a viu e amou a cor do seu vestido. E aqueles cabelos escorridos prematuramente como uma eterna chuva de maldição sobre as suas costas.
Carolina o amava, e ele sabia. Carolina amava os seus olhos azuis e sua barba.
Ao amante, Carolina dava maiores espaços no peito. Amava mais ao amante e sofria. Quanto mais amor dedicava aquele que não o seu esposo mais secava. E por tanto nutrir este amor a outro adquiria um medo compacto. Carolina lá se ia, noite a dentro, vida a dentro, morte a dentro. 

"Carolina teu destino é chorar 
Lobo da estepe nunca mais ousou tocar em você
Os teus sonhos destruíram 

Tua jóia roubaram 
Este azar sobre você 
Como uma nuvem que não chove."

Todos sabiam sobre a vida de Carolina, todos sabiam sobre a dedicação dela por outro homem. Todos, menos o esposo. Ela não tinha culpa de não desejá-lo, de não poder inventar no esposo aquele que lhe dava gozo. Aquele com quem sempre saia com aspecto de flor pisada. Mas viva. O esposo chegava a noite e encostava a cabeça ao lado dela. Ela agora chorava duas vezes ao lado do peito do marido. Ele não sabia, não saberia nunca.  O esposo dormia. Quando estaria acordado aquele homem? Quando?
Todos sabiam sobre a morte de Carolina, todos sabiam. Todos. Isto de amor também é morrer. 

"Carolina você sabe que esse homem é lobo 
Esse lobo nunca mais vai uivar 
Carolina"

Carolina agora no chão com as mão no peito do amante. As pequenas mão de Carolina. Tão brancas e tão dela que o esposo teve medo de deixá-la cair, com o tiro que lhe deu, com medo que as mãos fossem quebradas. Eis o lado orgânico e animal do afeto. Carolina consentiu em morrer, como quem não pode voltar atrás e sabe disso. Nem dor sentia mais. 
Sei que a carne não guardava lembranças do pecado que cometera. 
O esposo chorava baixinho, o pranto cansado não cessava...Foi o único calor que se abateu no rosto do marido. (Eu posso dizer que era suficiente, em sua mágoa, para carbonizar a cidade inteira.) Ele sabia que ao matar aquela mulher se eliminava, quebrava-se suas pernas.
"Lobo da estepe acredito na tua dor
Lobo da estepe
Nunca mais ousou tocar em você
Carolina."

Ah, agora compreendia quanto a amava. Gostaria de abater-se naquela escura inconsciência em que a projetara e chorar sobre ela todo aquele amor que agora crescia. E o lobo também morria.
Carolina, tudo aqui é nosso, menos nós mesmos.

Trechos da música: Lobo da Estepe - Cascavellets

7 comentários:

  1. Nossa, que drama. Gostei muito da relação dos versos. *-*
    ;*

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  2. Un bel post, complimenti!! buona domenica...ciao

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  3. Diferente, intenso e bonito é como eu definiria esse texto. Aliás, essa música (dos versos) é do Cascavalletes, não? Haha. Um beijo, @pequenatiss.

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  4. Maravilhoso, fiquei encantada e surpresa.

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  5. Adoro a tua escrita, cheio das tuas filosofias, pensamentos...é dramática, não dá vontade de parar de ler, daqueles textos que quando acabam ficamos com gostinho de quero mais.

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  6. Escreves lindamente!Mesclou muito bem os versos da música com o seu texto.

    Beijos, Fernanda

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