"Lobo da estepe acredito na tua dor
Nesta vingança e o teu desejo de matar
Tua casa incendiaram
Tua esposa amaram
Este azar sobre você
Como uma nuvem que não chove"
Eu
vejo e sinto seu último suspiro. Ele a amava e ela também sentia a
mesma coisa. O problema estava nas proporções. Ele a amou desde o
momento em que a viu pela primeira vez. Ele a viu e amou a cor do seu
vestido. E aqueles cabelos escorridos prematuramente como uma eterna
chuva de maldição sobre as suas costas.
Carolina o amava, e ele sabia. Carolina amava os seus olhos azuis e sua barba.
Ao
amante, Carolina dava maiores espaços no peito. Amava mais ao amante e
sofria. Quanto mais amor dedicava aquele que não o seu esposo mais
secava. E por tanto nutrir este amor a outro adquiria um medo compacto.
Carolina lá se ia, noite a dentro, vida a dentro, morte a dentro.
"Carolina teu destino é chorar
Lobo da estepe nunca mais ousou tocar em você
Os teus sonhos destruíram
Tua jóia roubaram
Este azar sobre você
Como uma nuvem que não chove."
Todos sabiam sobre a
vida de Carolina, todos sabiam sobre a dedicação dela por outro homem.
Todos, menos o esposo. Ela não tinha culpa de não desejá-lo, de não
poder inventar no esposo aquele que lhe dava gozo. Aquele com quem
sempre saia com aspecto de flor pisada. Mas viva. O esposo chegava a
noite e encostava a cabeça ao lado dela. Ela agora chorava duas vezes ao
lado do peito do marido. Ele não sabia, não saberia nunca. O esposo
dormia. Quando estaria acordado aquele homem? Quando?
Todos sabiam sobre a morte de Carolina, todos sabiam. Todos. Isto de amor também é morrer.
"Carolina você sabe que esse homem é lobo
Esse lobo nunca mais vai uivar
Carolina"
Carolina
agora no chão com as mão no peito do amante. As pequenas mão de
Carolina. Tão brancas e tão dela que o esposo teve medo de deixá-la
cair, com o tiro que lhe deu, com medo que as mãos fossem quebradas. Eis
o lado orgânico e animal do afeto. Carolina consentiu em morrer, como
quem não pode voltar atrás e sabe disso. Nem dor sentia mais.
Sei que a carne não guardava lembranças do pecado que cometera.
O
esposo chorava baixinho, o pranto cansado não cessava...Foi o único
calor que se abateu no rosto do marido. (Eu posso dizer que era
suficiente, em sua mágoa, para carbonizar a cidade inteira.) Ele sabia
que ao matar aquela mulher se eliminava, quebrava-se suas pernas.
"Lobo da estepe acredito na tua dor
Lobo da estepe
Nunca mais ousou tocar em você
Carolina."
Ah,
agora compreendia quanto a amava. Gostaria de abater-se naquela escura
inconsciência em que a projetara e chorar sobre ela todo aquele amor que
agora crescia. E o lobo também morria.
Carolina, tudo aqui é nosso, menos nós mesmos.
Trechos da música: Lobo da Estepe - Cascavellets